Conteúdo Mondo-X

Artigos

MONSTROS

UMA TERRA DE MONSTROS

Autor Gilberto Schoereder
01/10/2021

Os monstros habitam nosso planeta há milhares de anos, infiltrando-se em nossos pesadelos e nas histórias contadas pelos mais diversos povos.


(Foto: FreeImages.com/ Ove Tøpfer).

Eu não sei quando os monstros surgiram na Terra. É possível que as sombras projetadas pela luz irregular de uma fogueira na parede de uma caverna, onde humanos primitivos se protegiam, tenham despertado a imaginação das pessoas, originando seres perigosos e ameaçadores. E também, é claro, as criaturas que realmente ameaçavam a vida dos humanos primitivos.
Junte-se a isso o desconhecimento a respeito de lugares mais distantes, locais que despertavam a imaginação, criando possíveis seres monstruosos que povoavam terras jamais vistas.
Os monstros povoaram os pesadelos e estabeleceram suas existências em histórias, lendas e mitos que têm acompanhado a trajetória da civilização.
Mesmo quando as diferentes culturas começaram a explorar o planeta, a imaginação acompanhou os humanos em suas viagens. Houve época em que a Terra estava infestada de seres fantásticos, muitos deles monstruosos e perigosos. Eles apavoravam ou maravilhavam as pessoas, de acordo com suas personalidades ou vontades no momento. Ora alimentavam-se de seres humanos, ora ajudavam-nos em suas tarefas, fornecendo conhecimentos sobre o ambiente ou sobre ações a serem tomadas. Os mapas antigos são um bom exemplo dessa situação, com os locais ainda inexplorados ou pouco explorados sendo ilustrados com figuras monstruosas de várias espécies.
Essas criaturas, quer tenham sido criadas em pesadelos, quer sejam resultados de contatos inusitados com a realidade, ou ainda produzidas pela imaginação fértil das pessoas, formaram a base de lendas e mitologias que, em muitos casos, tornaram-se comuns a vários povos do planeta – como ocorre com os dragões, que alguns estudiosos chegam a apresentar como um símbolo constante no inconsciente coletivo da humanidade.

                                                                                                                           O Pesadelo (Henry Fuseli, 1781).

Em seu livro Giants, Monsters & Dragons – An Encyclopedia of Folklore, Legend and Myth (2000), Carol Rose, pesquisadora da Universidade de Kent, diz que o que estava dentro dos limites do conhecimento humano e era relativamente familiar, podia ser razoável e confortavelmente acomodado, não importava seu tamanho. Mas o que se encontrava fora dos limites do conhecimento humano era monstruoso e terrível. Assim, as explicações para a natureza caótica do mundo e do universo, para as características geográficas ameaçadoras do planeta, para as regiões inexploradas, e o desaparecimento ou a transformação daqueles que se aventuravam no desconhecido, eram acomodadas nos conceitos de monstruoso. “Esses seres que existiam além das esferas humanas de ordem”, diz Carol Rose, “eram a ameaça constante que desafiava o mundo humano, e que tinha de ser acalmada, controlada, banida ou derrotada”.
Mas também, segundo Carol Rose, é preciso considerar que aquilo que realmente constitui um monstro depende dos valores culturais nos quais ele é descrito. Para ela, os seres que despertam maior repulsa e que, portanto, são mais suscetíveis de serem considerados monstros, são aqueles que apresentam uma mescla de formas híbrida e sobrenatural. “Formas compostas de seres abundam nas antigas mitologias”, diz Rose, “especialmente na Mesopotâmia e Babilônia, de onde originaram-se os touros alados e o grifo águia-leão”.
E os exemplos desses seres híbridos, dessas misturas de partes de animais e, às vezes, seres humanos, surgiram em todos os continentes.

Representação de uma criatura semelhante a um unicórnio, em Susa, no Irã (Foto: Mohammad.m.nazari/ Wikimedia).

Em The Impossible Zoo – An Encyclopedia of Fabulous Beasts and Mythical Monsters (2016), Leo Ruickbie – PhD do King’s College de Londres, especializado em feitiçaria e magia modernas –, dá o nome de parazoologia ao estudo dos animais fantásticos descritos em seu livro, uma vez que é um estudo que está além do âmbito da zoologia normal, e também porque nos faz pensar no paranormal e na parapsicologia. Para ele, esses animais, monstruosos ou não, não podem ser classificados dentro da criptozoologia – que é o estudo de animais que estão escondidos, ocultos –, uma vez que esses animais não podem ser encontrados. “É a biologia do sobrenatural”, ele diz; “o estudo de coisas que nunca viveram. É o mundo das sereias e unicórnios, agora confinados à fantasia, mas que antigamente se acreditava que existiam; um mundo da imaginação que ainda hoje pode nos afetar. Inclusas estão todas as criaturas das lendas, as bestas das fábulas e monstros da mitologia, mas não os produtos transitórios da cultura moderna”.
Essa relação com a fantasia, e também com os sonhos e pesadelos, também é a aproximação proposta por Michael Page em Encyclopedia of Things That Never Were (1985), que conta com as ilustrações de Robert Ingpen. Ele escreveu que todos os povos, de todas as épocas, conheceram a importância dos sonhos. “Quando seus sonhos foram registrados, nós os chamamos de mitos, ou lendas, ou contos de fadas. Eles são parte do tesouro de nosso mundo secreto, capazes de nos transportar instantaneamente ao Valhalla ou ao Olimpo. Eles nos explicam tudo o que desejamos conhecer e dão substância ao nosso instinto de que existem mundos além do nosso”.

Harpias na Floresta dos Suicidas. Ilustração de Gustave Doré (1861), para o Canto XIII, Inferno, da Divina Comédia (1320), de Dante Alighieri.

Terry Breverton, em seu Breverton’s Phantasmagoria – A Compendium os Monsters, Myths and Legends (2011), lembra que alguns monstros fantásticos foram baseados nos contos de viajantes, mas que se revelaram animais reais. Outros, como os pássaros gigantes, provavelmente foram baseados em espécies extintas. “Existe uma cornucópia de lendas sobre monstros, fantasmas e criaturas estranhas”, ele diz, “que se transferem por muitas culturas”.
A historiadora Mary Del Priore, em seu livro Esquecidos por Deus (Companhia das Letras, 2000), que tem por subtítulo “Monstros no mundo europeu e ibero-americano (séculos XVI-XVIII)”, diz que a humanidade nunca deixou de amar os monstros, e ainda mais hoje em dia, época em que a cultura tornou essas criaturas mais familiares. Ela diz que “O monstro, personagem fantástico, é o homem que abandonou a humanidade para encontrar-se com a fera. Só participamos de sua existência pelo horror que ele nos inspira”. E ela lembra que, para nossos antepassados, os monstros não eram uma representação, e sim fato.

Nas matérias a seguir vamos apresentar alguns desses monstros, explorando suas relações com as diferentes culturas, de diversas épocas. Alguns continuam populares até hoje; outros praticamente desapareceram do imaginário moderno, ainda que sejam revistos em trabalhos específicos, de tempos em tempos.
Seja como for, veremos apenas uma pequena parte das criaturas que habitam as lendas, mitologias e folclore das diferentes culturas do planeta. Como disse Leo Ruickbie, “É um mundo vasto e esses monstros são legião (...)”.

 

Copyright © Mondo-X 2020

Revista Eletrônica de Esoterismo, Religião e Ufologia • e-mail: gilberto@mondo-x.com.br • Todos os Direitos Reservados