MONSTROS
OS LOBISOMENS
Autor |
Gilberto Schoereder |
|
01/10/2021 |
Eles foram seres aterrorizantes na Idade Média e criaturas mais complexas na ficção atual, e estão entre os monstros mais populares do mundo.
Xilogravura alemã de 1722, mostrando um lobisomem.
Os lobisomens foram criaturas muito populares nas lendas da Idade Média, e tornaram-se ainda mais populares nos dias de hoje. Inicialmente, foram personagens centrais ou periféricos da literatura de terror; depois, passaram a figurar nos filmes do gênero, que continuam a ser produzidos até tempos recentes.
Ainda que atualmente o cinema tenha modificado enormemente as histórias sobre lobisomens, imaginando adaptações das lendas, originalmente eles eram seres humanos que, em determinadas condições, transformavam-se em lobos assassinos, sedentos de sangue humano, sem que pudessem controlar essa transformação. A ideia geral é que ela ocorria durante a Lua cheia, com as criaturas regredindo à forma humana posteriormente, muitas vezes sem sequer perceber o que tinha acontecido.
Terry Breverton diz que “Pessoas inocentes podem tornar-se lobisomens se forem amaldiçoadas, ou se forem mordidas por outro lobisomem. Eles são ativos apenas à noite e, durante esse período, ele devora pessoas e cadáveres”. Segundo o folclorista norte-americano Dee L. Ashliman, da Universidade de Pittsburgh, em Werewolf Legends from Germany, o conceito de que lobisomens só podem ser feridos ou mortos por armas de prata só surgiu no folclore alemão no século 19, posteriormente sendo adotado pelos escritores de terror como um elemento essencial para resolver determinadas situações.
Zeus transformando o rei Licaonte em lobo (Hendrik Goltzius, 1589).
A palavra em inglês é formada por palavras do antigo idioma saxão, “wer” (homem) e “wolf” (lobo). Também é utilizada a palavra licantropo, originária do termo grego formado por “lykos” (lobo) e “anthropos” (homem). A origem das lendas remonta à antiga Grécia e a Roma, onde a criatura era conhecida como “versipellis”. Breverton diz que o conceito de lobisomens possivelmente foi baseado no mito do Rei Licaonte, de Arcádia, história relatada pelo geógrafo e viajante grego Pausânias (110-180). Famoso por sua crueldade, o rei tentou comprar o favor de Zeus matando seu filho e o oferecendo a Zeus em uma bandeja. Zeus ficou ultrajado e transformou Licaonte em um lobo.
Breverton também lembra que, em regiões do planeta em que os lobos não são animais comuns, as lendas apresentam homens sendo transformados em outros animais como tigres, leões ou ursos.
As referências são ainda mais antigas, uma vez que o famoso historiador Heródoto (c. 484-425 a.C.) citava um caso em sua obra História (c. 430 a.C.), ao referir-se ao povo que chamou de Neuri. Segundo os relatos dos citas, seus vizinhos, uma vez por ano um dos integrantes da tribo Neuri transformava-se em lobo e, após passar alguns dias nessa forma, retomava a forma humana. Heródoto também deixou claro que ele não acreditava na lenda contada. Da mesma forma, o autor romano Plínio, o Velho relata lendas de origem grega que se espalharam igualmente pela população romana, e que ele considerava inverídicas. Plínio, em seu História Natural (Naturalis Historia, 77), também conta que um integrante da prestigiosa família Antaeus permaneceu como lobisomem por nove anos após ter sido escolhido para tal por um sorteio.
Segundo Carol Rose, na antiga Grécia acreditava-se que uma pessoa podia transformar-se ao comer a carne de um lobo que tivesse sido misturada à de um humano, e que a condição era irreversível. Rose diz que a transformação varia segundo a versão; pode ser devido à Lua cheia, por vestir uma pele especial de lobo, ou pode ser uma transformação permanente devido a uma maldição. A pessoa também pode se tornar lobisomem por ter sido concebida durante a Lua nova, ou por ter comido certas ervas, por dormir sob a Lua cheia numa sexta-feira, por beber água que foi tocada por um lobo; ou por comer o cérebro do lobo. Mas também pode tornar-se lobisomem a pessoa que leva uma vida de bestialidade.
Ilustração do livro Topographia Hibernica mostrando a história do padre que encontrou os lobisomens de Ossory (Gerald of Wales, c. 1196-1223).
Na Idade Média, os lobisomens tornaram-se comuns na Europa e, muitas vezes, ligados a acusações de bruxaria. Segundo Carol Rose, na Inglaterra medieval, após o desaparecimento dos lobos nativos, a bruxaria passou a ser a principal fonte das acusações da Igreja, com muitas pessoas sendo mortas por isso. Na França, diz ela, mais de 30 mil pessoas foram executadas entre 1520 e 1630 como suspeitas de serem lobisomens. “Depois do século 18”, diz Rosae, “a crença passou por um declínio relativo, mas muitos locais da Europa ainda mantêm o folclore, e um ressurgimento de um caso aparece de tempos em tempos ainda no século 20”. Os números de execuções apresentados por Rose não condizem com o que foi levantado pelo jornalista e escritor alemão Elmar Lorey, que conseguiu reunir apenas algumas centenas de casos.
Terry Breverton também lembra que as cortes eclesiásticas da Idade Média pressionavam e torturavam esquizofrênicos, epilépticos e deficientes mentais para que confessassem que eram lobisomens, recebendo ordens diretamente de Satã. “Após 1270”, diz Breverton, “era considerado heresia até mesmo não acreditar na existência de lobisomens”. Ele informa que foi apenas no século 17 que a acusação de ser lobisomem desapareceu das cortes europeias por falta de evidências.
A disseminação das histórias sobre a existência de lobisomens na Europa medieval teve a ajuda de várias obras de integrantes da Igreja, como foi o caso de Topographia Hibernica (c. 1200), de Gerald of Wales (c. 1146-1223), bispo de Gales, na qual ele cita uma suposta comunidade composta por lobisomens existente no reino irlandês de Ossory. Esses lobisomens seriam descendentes de uma figura lendária chamada Laignech Fáelad, que teria originado a linhagem de reis de Ossory. A lenda também surge em diversas obras do século 11 ao século 13, nas quais surgem descrições de homens que podiam transformar-se em lobos, deixando seus corpos humanos. Na narrativa de Gerald of Wales, ele reconta a história de um padre que encontrou um desses lobisomens em suas viagens, e que ele lhe falou sobre Deus, pedindo que o padre desse a extrema unção à sua companheira que estava morrendo. A dra. Leslie A. Sconduto, professora da Bradley University, em seu livro Metamorphoses of the Werewolf: A Literary Study from Antiquity Through the Renaissance (2008), diz que esse relato apresentado por Gerald of Wales é o único em que um lobisomem fala, além do que não são lobisomens comuns, sendo ainda humanos por baixo da pele de lobo, e são vítimas de uma maldição que recaiu sobre sua comunidade, uma espécie de punição coletiva por seus pecados.
Por outro lado, outros religiosos tentavam difundir o conceito de que essas transformações não eram possíveis, uma vez que apenas Deus poderia realizar esse ato.
Lobisomem (Lucas Cranach, o Velho, c. 1512).
Muitos historiadores atribuem a origem dessas lendas ao grande número de lobos que existiam na Europa, e que representavam um perigo real para as populações. A partir dessa situação real, não foi difícil projetar-se esse medo em histórias sobre seres capazes de mudar sua forma.
Quando os lobisomens chegaram às telas de cinema iniciaram uma nova mitologia, não apenas popularizando os seres, mas também imaginando-os como uma raça diferente da humana, como ocorre na série de filmes iniciada com Anjos da Noite (Underworld, 2003), que apresenta os vampiros e lobisomens como raças em guerra constante; ou como nos livros da série iniciada com Crepúsculo (Twilight, 2005), também centrada em vampiros e lobisomens.
E tudo indica que os lobisomens ainda vão continuar sendo utilizados pela literatura e pelo cinema fantástico, ainda que a crença real em sua existência tenha perdido a força que manteve até o século 19.