FANTASMAS
FANTASMAS E APARIÇÕES
Autor |
Alejandro Parra |
Publicado por | Gilberto Schoereder |
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27/12/2022 |
Todas as culturas do planeta possuem relatos de aparições de pessoas já falecidas. Desde o século 19, o tema vem sendo investigado pela parapsicologia. Hoje, essas pesquisas evoluíram e apresentam interessantes propostas de estudo.
Aparição (Apparition. Eugeniu Voinescu, sécuo 19).
“Minha prima e eu estávamos ligados por um forte laço afetivo”, relata Hector M., um empresário do ramo de cosméticos de Buenos Aires. “Ela morreu em um acidente de carro ainda muito jovem. Um ano depois, quando eu estava com 28 anos, caminhava pela rua para atravessar a avenida. Ia lendo, absorto em minha leitura quando, ao atravessar, Mirtha apareceu à minha frente. Tinha o corpo completo, envolto em uma suave luz brilhante, vestida com a roupa que usava no funeral, penteada, como eu me lembrava do dia em que morreu. Seu rosto estava tranquilo e transmitia uma paz profunda. A aparição durou poucos segundos. Estendeu sua mão, advertindo para que eu me detivesse. Eu olhei para ela, surpreso, e parei. De repente, um transeunte a dois metros de distância de mim atravessou a avenida e foi atropelado violentamente por um automóvel que passou à minha esquerda. Fiquei surpreso, sem palavras, já que se não tivesse sido detido pela aparição provavelmente teria sido eu quem teria sido atropelado”.
O psicólogo e parapsicólogo australiano Michael Thalbourne define a “aparição” como uma experiência visual em que parece estar presente uma pessoa (viva ou morta) que está fora do alcance sensorial da pessoa que a vê. A maior parte dessas experiências é determinada se as aparições são uma criação puramente subjetiva, criada pela mente, ou se são objetivamente reais, ou seja, existem independentemente da mente da testemunha.
As experiências de aparições ocorrem com maior frequência em mulheres. Por exemplo, a sensação de presença é relativamente mais comum em pessoas que enviuvaram recentemente, ainda que também afete os homens. Na primeira reunião de casos levantados por Edmund Gurney, Frederic William Henry Myers e Frank Podmore, fundadores da Society for Psychical Research de Londres, em 1886, foram coletados relatos de 17 mil pessoas, das quais aproximadamente 10% tiveram algum tipo de experiência alucinatória. Havia 830 relatos de aparições que surgiam com a forma humana e pareciam ser bastante reais.
Edmund Gurney (antes de 1888); Frederic Myers (Foto: S.R. Morgan, em Index to psychic science, Swarthmore, 1950); Frank Podmore (Foto publicada em Pease, E.R.: The History of the Fabian Society, E.P. Dutton & Co., New York, 1916).
A teoria tradicional das aparições favorece a hipótese da intervenção de um espírito, isto é, uma aparição é uma dimensão da existência humana que sobrevive à morte do corpo. Porém, os dados de Gurney, Myers e Podmore não se encaixavam bem com essa teoria. Por exemplo, algumas aparições eram de animais e não de seres humanos, e apenas 20% (dos 830 casos) eram de pessoas mortas (fantasmas). Esse aspecto de alucinação “benigna” – de pessoas sãs – é importante porque é diferente daquela que é observada na enfermidade mental ou por efeito de drogas.
Outras experiências mostram como elas têm variado ao longo da história e em todas as sociedades, de acordo com as crenças em aparições. Os casos até o século 17 estão muito pouco documentados e não podem ser considerados como representativos da experiência, já que provinham de pessoas que tentavam promover causas filosóficas ou teológicas.
Em sua obra clássica Fantasmas dos Vivos (Phantasms of the Living, 1886), Gurney, Myers e Podmore argumentam que alguma forma de percepção extrassensorial poderia estar fornecendo informações de pessoas que se encontravam em locais distantes; essas pessoas, em sua maioria, passavam por uma crise ou estavam próximas da morte. Tais informações poderiam ser expressadas como uma experiência de aparição ou outra experiência visual, inclusive por meio de sonhos, intuições, impressões táteis ou auditivas, ou reações físicas e emocionais.
Muitos dos casos mencionados estavam relacionados à morte, “no sentido de que a experiência da testemunha coincidia ou quase seguia a morte do agente”. Com base em critérios estatísticos, a coincidência dessas experiências com a morte não podia ser atribuída ao acaso.
Camille Flammarion (1897).
No início do século 20, o astrônomo francês Camille Flammarion publicou muitos casos nos quais as experiências ocorriam em mais de uma modalidade sensorial. Uma mulher teve uma experiência na qual disse ter visto uma figura parada à sua frente, rodeada por um halo de luz. “Reconheci meu cunhado... que me disse: ‘Diga a Adolfo (o marido dela) que estou morto’”. Outro caso combinava uma modalidade intuitiva com uma visual. A pessoa foi acordada por uma luz: “Olhei e, ao pé da minha cama, vi... um disco brilhante... Sem perceber qualquer figura nem escutar ruídos, tive a impressão de que diante de mim estava um dos meus primos... que estava muito doente”.
Existem casos em que a experiência de uma pessoa pode ser compartilhada com outra, ou as experiências são percebidas por outras pessoas, independentemente da testemunha. O investigador psíquico italiano Ernesto Bozzano e o norte-americano D. Scott Rogo também coletaram muitos casos interessantes de música que se escutava no local onde se encontrava a pessoa moribunda.
Ernesto Bozzano (Foto: S.R. Morgan, em Index to psychic science, Swarthmore, 1950).
Uma garota chamada Lilly morreu em uma terça-feira à tarde. Sua família, mas não a garota, escutou música, uma manifestação que havia começado no sábado anterior e que continuou no domingo e no dia de sua morte. A música que se ouvia era como “as notas de uma harpa, que aumentavam e diminuíam, e aumentavam gradualmente, até que o quarto se encheu com o som”, relatou a mãe. A música era ouvida no quarto da garota e em outras partes da casa. O criado e uma filha que estavam no piso inferior também escutaram a música. “Em uma ocasião”, continua o relato, “minha governanta e minha tia subiram para ver como Lilly estava; ela estava com meu marido, todos no quarto com a garota. Eu tinha descido à cozinha... então, três pessoas escutaram a música de harpa no quarto, e eu mesma ouvi na cozinha”.
Algumas aparições são vistas próximas da pessoa moribunda. Flammarion relata o caso de duas irmãs, Emmeline e Susanna, que estavam no leito de morte de sua irmã Charlotte, quando viram os rostos de dois de seus irmãos já falecidos. “Vi uma luz dourada sobre a cama de Charlotte”, relatou Emmeline, “e, dentro da luz, juntos, os rostos de dois querubins olhando fixamente para Charlotte... Pus minha mão sobre a de Susanna e lhe disse: ‘Susanna, olhe para cima’. Quando olhou, seu rosto mudou e ela disse: ‘Emmeline, são William e John...’ Então, nós duas olhamos até que se desvaneceu como uma pintura descolorida, e poucos minutos depois Charlotte morreu”.
Um tipo de percepção é intuitiva: um conhecimento espontâneo e seguro de que algo está por acontecer ou acontecendo à distância. Um empregado de administração argentino, Alvaro M., estava em seu escritório quando tocou o telefone e seu chefe atendeu. “Então”, narra Alvaro, “senti um frio no estômago. Era um suor frio, intenso. Soube então que sua mãe tinha falecido. Eu já tinha sentido essa mesma sensação no dia em que meu avô morreu. Minutos depois, o chefe nos disse que sua mãe tinha falecido no hospital”.
Outra modalidade de aparição ocorre mediante a percepção da aura ou de uma “energia” em torno do corpo da pessoa que está para morrer, ou diferentes tipos de “emanações” como luzes, névoa e corpos sutis que emergem dos corpos das pessoas moribundas.
O investigador psíquico James Crookall relata a declaração de uma pessoa que passou por essa situação. “Aproximava-me do hospital quando a criança deixou de respirar. Então, vi uma bruma por cima de seu corpo pequeno. Tomou a forma de seu corpo, que estava na cama e unido por um cordão prateado. Estava a quase um metro do corpo. Surgiu gradualmente a um metro e meio por cima do corpo e então a bruma subiu em posição vertical e logo desapareceu”.
As aparições simultâneas se caracterizam pela intenção de comunicar à pessoa a morte de outra que se encontra à distância. Outro caso pode incluir certa informação extrassensorial, como o de María C., que estava a ponto de dormir: “Vi diante de mim uma cama na qual jazia L., um amigo meu que, naquele momento, estava hospitalizado. Um enfermeiro cobria seu rosto com um lençol. A visão repetiu-se por três vezes. Dias depois, seu filho me informou que meu amigo L. havia morrido. No velório, sua nora – que eu não conhecia – me disse: ‘Antes de morrer, L. chamava por você insistentemente’.”
Aparição a um moribundo (La Lecture Journal de Roman N°121. 1857).
As aparições pre mortem – isto é, que surgem antes que ocorra a morte em um local distante da pessoa que vê a aparição –, também se apresentam com certa frequência, sob uma forma alucinatória, seja uma modalidade visual ou auditiva e, ocasionalmente, tátil. Estela P. estava em sua cama quando foi despertada pelo ruído de um vento forte: “De repente apareceu diante do meu rosto uma imagem aterradora, como um rosto que soprou na cara. A imagem esfumou-se – sorrindo, horrível e diabólica – até o teto. Contei à minha irmã no dia seguinte e ela me disse que certamente era um pesadelo. Eu disse a ela: ‘Eu sei que algo de ruim vai acontecer conosco’. Eu pressenti a morte. Dez dias depois, meu filho morreu em um acidente”.
As aparições post mortem também se apresentam pouco depois que a morte ocorre. Sob essa tipologia, é difícil distingui-las de meras alucinações, produto de perdas que não foram elaboradas psicologicamente, a não ser que haja algum componente verídico. Pouco depois da morte de seu pai, uma noite Jorge C. ficou vendo TV e foi vencido pelo sono. “Logo senti”, ele conta, “que alguém me sacudia suavemente. Sentia a pressão de uma pessoa que me movia. Abri os olhos e vi nitidamente meu pai. Vestia sua roupa e tinha o mesmo semblante. Assim que lhe perguntei ‘O que se passa, papai?’, ele sorriu e mostrou que a TV estava ligada. Sorriu e se retirou. Quando caminhava em direção à TV desapareceu diante de meus olhos. Isso me chocou. E aí me dei conta de que, na verdade, ele estava morto”.
Outro tipo de visões são aquelas nas quais o protagonista, em seu leito de morte, vê uma pessoa falecida, mas que ele não sabia que tinha morrido, excluindo a possibilidade de que a visão fosse uma alucinação relacionada às suas expectativas.
(Imagem: Michael Swanson/ Pixabay).
Será que esses casos podem ser uma forma de alucinação provocada pelas expectativas individuais diante da morte? Ou então, representar uma intenção defensiva em reduzir o temor da morte iminente mediante o ato de imaginar um encontro com familiares? Alguns casos são muito sugestivos e requerem maior investigação.
Na década de 1960, os psiquiatras britânicos Charles McCreery e Celia Green não encontraram indicadores de psicose nem de neurose nas pessoas que tinham experiências de aparições – ou, pelo menos, não eram diferentes da população “normal” – mas não fizeram uma comparação com indivíduos sem experiências. No entanto, o parapsicólogo e professor de psicologia australiano Harvey Irwin, observou que a imaginária mental, ou seja, a capacidade de imaginar, parece estar fortemente envolvida na experiência; em outras palavras, a propensão a imaginar surge como um forte diferenciador.
Devido à dificuldade em decidir entre teorias “subjetivas” (que se produzem na mente da pessoa) e “objetivas” (que se produzem por intervenções alheias à pessoa), o mais interessante é analisar a experiência da aparição em si mesma. O psiquiatra Richard Bentall, professor de psicologia da Universidade de Sheffield, Inglaterra, sustenta que “um número surpreendente de indivíduos normais, quando perguntados, dizem ter experimentado uma história de experiências alucinatórias, e inclusive há forte evidência da existência de variações culturais na predisposição a ter essas experiências”.
Contudo, Bentall adverte que existem pelo menos três diferenças funcionais básicas entre uma alucinação e uma aparição fantasmal. “Em primeiro lugar, na alucinação existe a convicção irredutível de que o fenômeno tem origem fora de si mesmo. Em segundo, o indivíduo é incapaz de distinguir entre a alucinação e a imaginação. Em terceiro lugar, existe uma impossibilidade, ou pelo menos uma dificuldade, de alterar ou diminuir a experiência por desejo expresso da pessoa. As alucinações não são necessariamente indicadores de episódios psicóticos; elas o são apenas quando ocorrem com certa frequência e geram mal-estar”.
Por outro lado, as aparições só ocorrem sob estados alterados de consciência, nos quais as imagens mentais têm a particularidade de parecer vivas e “reais”, como nos estados hipnagógicos (o período que precede o sono) e hipnopômpicos (o período do despertar). Em síntese, os pacientes psicóticos com alucinações auditivas diferem das pessoas mentalmente normais em testes de realidade, as quais se referem à habilidade de distinguir uma percepção (realidade) de um ato da imaginação.
Nos estudos do psiquiatra norte-americano Bruce Greyson, professor de psiquiatria do Departamento de Estudos da Percepção da Universidade da Virginia, em Charlottesville, (EUA), entre 9% e 18% das pessoas que estiveram próximas da morte tiveram uma experiência com elementos místicos ou transcendentais. Quase a metade dessas pessoas diz ouvir uma voz que identifica como “mística”.
“Outras pessoas”, diz Greyson, “têm alucinações mais contínuas, percebem as vozes que outros não ouvem, mas raras vezes buscam um tratamento psiquiátrico”. Greyson conclui dizendo que 12% de um grupo de crianças que relatavam experiências próximas à morte, entraram em contato com anjos da guarda que falavam com elas ou as aconselhavam.
Como pensa Richard Bentall, “[...] é mais provável que um indivíduo integrado em um ambiente que admite a existência de fantasmas ou que dá valor às experiências espirituais, atribua um conteúdo de realidade à imagem de um parente falecido, do que um indivíduo integrado num ambiente materialista e científico”.
Harvey Irwin também observou que as pessoas que têm experiências com aparições, também possuem a habilidade de se lembrar de sonhos, costumam ter experiências místicas e experiências fora do corpo. “É raro encontrar uma pessoa que diz ter experiências de aparições, mas que não tenha qualquer outra experiência paranormal”, conclui Bentall. Contudo, é preciso enfatizar que estamos tratando com afirmações que dependem apenas de respostas de pesquisas. “Não está claro se as respostas dos participantes estão relacionadas com o que se pergunta; de fato, não é possível ter mais informações sem realizar entrevistas posteriores complementares, ou pelo menos uma descrição por escrito das experiências”, conclui Irwin.
Para Michael Thalbourne, esses estudos confirmam que as experiências de aparições podem ter implicações clínicas importantes. “De fato”, ele diz, “os participantes de meus estudos que disseram ouvir vozes, tendem a um nível maior de ansiedade e suspeita”. Thalbourne afirma que muitos terapeutas consideram seus pacientes ou os que dizem ter experiências de aparições – assim como outras experiências parapsicológicas – como mentalmente enfermos ou delirantes. Por isso, temendo o ridículo, frequentemente não comentam essas experiências com ninguém.
Alejandro Parra é psicólogo e psicoterapeuta, diretor executivo do Instituto de Psicologia Paranormal e professor de psicologia na Universidade Aberta Interamericana de Buenos Aires.
[Matéria publicada originalmente na revista Sexto Sentido (2009)].