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DEUS NA TERRA

Autor Gilberto Schoereder
03/12/2024

A busca por Deus faz parte da tentativa humana de encontrar sentido em sua existência e de entender o mundo visível e o invisível que nos cercam. Deus, deusa ou deuses sempre estiveram presentes na história da humanidade, nas mais variadas formas, mas quase sempre como uma maneira de tentar encontrar caminhos éticos e morais de desenvolvimento interior e das próprias sociedades.


Rae Dawn Chong e Everett McGill, em A Guerra do Fogo (International Cinema Corporation/ Ciné Trail/ Belstar Productions/ Stéphan Films/ Gruskoff Film Organization).

Em uma cena do filme A Guerra do Fogo, dois dos primeiros hominídeos a habitar a Terra sentam-se à noite na entrada de uma caverna e observam a imensa imagem da Lua e das estrelas no céu. Sua postura é quase de reverência, como se estivessem tentando entender o que era aquilo que viam e que não podiam alcançar.
Para muitos estudiosos, a história de Deus em nosso planeta começa nesse momento, muito antes da invenção da escrita ou das sociedades organizadas e, portanto, centenas de milhares de anos antes do surgimento das primeiras religiões.

Diorama neolítico, em Inner Mongolian History Gallery (Imagem de Gary Todd).

Costumava-se dizer que, nas culturas chamadas primitivas, ou com tecnologia menos desenvolvida, os deuses estavam relacionados com as forças da natureza. Como dependiam dela para sua sobrevivência, qualquer evento natural poderia, assim, ganhar conotações maravilhosas, mágicas, estabelecendo uma relação necessária com um poder superior, com um deus, deuses ou deusa. Quando as sociedades humanas evoluíram e começaram a controlar melhor seu meio ambiente, essa relação já não era tão necessária, e os deuses passaram a ter uma atuação mais importante na regularização e controle das relações entre as próprias pessoas, exercendo papéis ligados à moral e à ética da sociedade.
É a partir desse momento que começaram a se desenvolver as religiões, que passaram a ver Deus, ou os deuses, de uma forma mais complexa. Apesar disso, muitos estudiosos já afirmaram que o nascimento das religiões tem origem, de fato, na magia; ou seja, na tentativa de entender e controlar os mecanismos que regem o mundo natural, incluindo-se tanto os fenômenos terrestres quanto os mistérios do sobrenatural, do mundo invisível. Um mundo que ora era apenas pressentido, ora era algo que realmente se manifestava aos seres humanos, nas mais variadas formas.

(MythologyArt/ Pixabay).

Os autores de O Livro das Religiões (Companhia das Letras) – o professor de filosofia e literatura Jostein Gaarder, o jornalista Henry Notaker e o professor de teologia Victor Hellern – escreveram que “a necessidade de se orientar na vida é fundamental para os seres humanos”, e que todos nós elaboramos questões como: “Quem sou eu? Como foi que o mundo passou a existir? Que forças governam a história? Deus existe? O que acontece conosco quando morremos?”. Essas chamadas “questões existenciais”, explicam os escritores, formam a base de todas as religiões. Elas, certamente, já estavam na mente daqueles primeiros habitantes do planeta, ainda que talvez não elaboradas dessa forma. Assim, a ideia da existência de Deus é tão antiga quanto a humanidade, e a única coisa que se tem modificado nesses milhares de anos são os próprios seres humanos e as formas que encontraram para representar Deus.
O escritor Steven Sadleir, autor de Procurando Por Deus (Ediouro), explica que nas sociedades antigas o homem percebia a existência de Deus através da própria natureza, pois vivia mais em contato com ela, no que se chama de animismo. Ele prossegue dizendo que, à medida que as sociedades perceberam o caráter diverso das leis naturais, passaram a atribuir o que experimentavam à intervenção divina, de modo que cada uma dessas intervenções recebeu um nome e atributos que as explicavam e identificavam, no que se chamou de politeísmo.
Posteriormente, desenvolveu-se a noção de que existe uma força unificadora no universo, conceito que foi chamado de monoteísmo, e que acabou formando as maiores e mais duradouras religiões do planeta. Nos últimos anos, a ideia básica do animismo parece ter recuperado espaço nas culturas do planeta, especialmente no Ocidente, entendendo-se a natureza como uma força viva, com alma.

                                                                         Júpiter e Juno no Monte Ida (James Barry, 1790-1799).

No entanto, segundo explica o famoso antropólogo Sir James George Frazer em O Ramo de Ouro (Zahar), inicialmente o homem criou deuses à sua semelhança, ou seja, mortais, com todos os atributos humanos, inclusive as fraquezas e a possibilidade de serem mortos. Histórias da morte de deuses existem em inúmeras culturas, inclusive na grega, que elaborou, talvez, o mais completo panteão de deuses com características humanas – assim como os orixás da África –, e que exercem influência na cultura ocidental até hoje.
Outros deuses famosos na Antiguidade também desapareceram, como Ísis, Anúbis, Baal, Dagon, Thor e outros, de tantas culturas diferentes. Mas a atual onda de recuperação de valores ancestrais tem resgatado a imagem de muitos desses deuses desaparecidos ou “mortos”, ressuscitando-os. É como se a existência de Deus ou dos deuses dependesse de nossa crença, ideia com a qual certamente muitos estudiosos concordam ao afirmarem que construímos os deuses ou Deus à nossa imagem e semelhança.

Vishnu (Agung Setiawan/ Pixabay).

Já se disse que as visões e as interpretações de Deus serão tantas quantas forem as culturas no planeta. Já se disse também que Deus tem um bilhão de nomes, talvez querendo significar o mesmo, talvez querendo dizer que não é possível conhecer a totalidade de Deus; ou ainda, talvez querendo afirmar que, mais do que cada cultura, cada ser humano terá sua própria versão do Criador, ao mesmo tempo em que cada ser humano é uma extensão ou parcela de Deus.
Milhares de livros já foram escritos a respeito das religiões, tanto sobre como se formaram, como sobre o papel que tiveram e ainda têm no mundo, e parece inevitável que, para se falar de Deus, tenhamos de falar das religiões que se formaram em torno do conceito de um criador universal. No entanto, se juntarmos o que todas elas falam, teremos um pequeno vislumbre da noção de Deus como um ser imortal, que sempre existiu e sempre existirá, que é a noção aceita pela maioria da população da Terra, hoje.
É como tentar explicar o universo, o infinito, algo que não tem início e não tem fim: impossível. Alguns cientistas tentaram, afirmando recentemente terem detectado o fim do universo. A pergunta que permanece é: o que existe depois do fim do universo? Essas “questões existenciais”, como já foi dito anteriormente, são inerentes ao pensamento humano.
Para muitos estudiosos da questão, o desenvolvimento do pensamento científico levou, de certa forma, à morte de Deus, mas em Deus – Uma Breve História (Ed. Globo), do estudioso de Cambridge John Bowker, o autor diz que “a morte de Deus não é um fenômeno raro e costuma ser anunciada em todas as gerações e em todas as partes do mundo”. Segundo o autor, existem três causas básicas para essa morte. Uma é a “recusa das teorias favoráveis a Deus, mas consideradas incoerentes, inconsistentes ou equivocadas”. Um exemplo disso é a tese de que Deus fez o mundo em seis dias, quando a ciência já constatou que levou muito mais tempo. Também questionada é a teoria da bondade divina, que se torna pouco convincente quando confrontada com o sofrimento que se verifica no mundo. O argumento é que, se Deus é todo-poderoso e ama a humanidade, por que não acaba com o sofrimento humano? Da mesma forma, não podem ser vistas como ato de bondade as inúmeras guerras e atrocidades cometidas em seu nome, como estamos verificando ainda agora, em pleno século 21.

                                                                                                                                                                               (MythologyArt/ Pixabay).

Bowker cita como terceira causa da morte de Deus as “reduções” ou o pensamento que vê a crença em um ser superior como uma forma de obter consolo ou uma força que, de outro modo, as pessoas não poderiam alcançar. São as chamadas projeções, ou seja, a criação externa de algo que se relaciona com nossas necessidades profundas. O autor cita como famosos reducionistas Ludwig Feuerbach (1804-1872), Sigmund Freud (1856-1939) e Karl Marx (1818-1883).
Talvez o mais famoso anúncio da morte de Deus tenha sido o do filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900), que ainda disse que sua morte era um “fato recente”. As interpretações para esse pensamento são várias, mas basicamente diz-se que o filósofo pretendia mostrar que a vida basta a si mesma, sem necessidade de explicação sobrenatural, e a ideia de Deus, especialmente a ideia cristã, sempre negou os verdadeiros valores da vida.
Nem todos concordam com a tese de que Deus morreu, mas desde então a frase tem surgido aqui e ali, principalmente nos momentos em que as nações entram em guerra e as imagens terríveis da desumanidade dos homens são mostradas. Deus não tem coisa alguma a ver com essa maldade e sofrimento.

Tão provável quanto as teses levantadas por pensadores e estudiosos, parece ser o conceito de que a suposta “morte de Deus” diz muito mais a nosso respeito, da humanidade, do que sobre Deus em si. O fato de não conseguirmos levar adiante uma sociedade com elevados padrões éticos e morais, de acordo com o que a própria base das religiões apregoa e defende, significa talvez que alguma coisa dentro de nós morreu. E, se consideramos que Deus está em todos nós, alguma coisa dele também deve ter morrido, talvez assassinado por nós.

Criação de Adão (Michelangelo, teto da Capela Sistina).

Essas não são questões facilmente resolvidas, mas a verdade é que a “morte de Deus” não é aceita com facilidade pela grande massa de habitantes do planeta. Ainda que, em geral, não entendam e não sigam completamente suas mensagens de amor, paz e compreensão – comuns a praticamente todas as religiões do planeta –, continuam a defender a ideia de que Deus está vivo e atuante.
Hoje em dia, muitas posturas religiosas e visões de nosso relacionamento com Deus parecem estar sendo revistas. Não há como negar que o chamado movimento da Nova Era tem modificado a postura de um grupo considerável de pessoas, suas visões de Deus e de sua relação conosco, propondo abordagens menos preconceituosas e menos radicais – ainda que, como criações imperfeitas e incompletas, estejamos sempre errando e caindo nos mesmos erros, e até mesmo a Nova Era ainda esteja repleta dessas posturas radicais. Mas, de uma forma geral, tem-se procurado, por um lado, resgatar o que há de melhor, mais bonito e ético nas religiões antigas, e por outro, conhecer mais profundamente e entender o maior número possível de religiões, formando uma espécie de mistura universal de pensamentos e filosofias.
Esse tipo de acontecimento liga-se, é claro, ao desenvolvimento dos meios de comunicação, especialmente com a internet e o fácil acesso às informações sobre outros modos de entender Deus que, até então, se encontravam inacessíveis para a maioria da população.
Seja como for, é bem possível que não exista outra história a ser contada nesse planeta que não a da busca do homem por Deus, o que implica tanto em sua aceitação quanto negação absoluta, com todas as variáveis possíveis. Busca externa ou interna, através de religiões ou antirreligiões, e da boa ou má utilização do nome de Deus.
É uma busca que pode se estender para a vastidão do universo ou para o interior do próprio ser humano, mas que tem como proposta final encontrar um sentido na vida e na morte, assim como a elaboração de uma relação mais significativa uns com os outros, com o universo e com os mundos visível e invisível.

 

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