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O CAMINHO DA CIÊNCIA E DA RELIGIÃO
Autor |
Gilberto Schoereder |
|
09/12/2024 |
Há séculos, ciência e religião se apresentaram como formas antagônicas de conhecimento. Mas isso esta mudando, e muitas evidências apontam para uma união entre essas duas formas de entender o universo e o espírito humano.
Imagem: dlsd cgl/ Pixabay.
Durante séculos as visões científica e religiosa do universo foram geralmente tidas como sendo bastante distintas: a exatidão das propostas apresentadas pela ciência não conseguia se afinar com as formas de elaboração filosóficas e metafísicas da religião, vistas pela ciência como aproximações um tanto vagas. Sem dúvida foi um longo período, no qual essas duas maneiras de entender e de tentar explicar a vida colocaram-se em campos diametralmente opostos, quando não radicalmente antagônicos.
Mas de uns tempos para cá alguns dos chamados “conhecimentos místicos” têm encontrado equivalentes no mundo das teorias e especulações científicas. Não foram poucos os cientistas que reconheceram abertamente a importância das propostas que formam a base de muitas religiões. É o caso do Hinduísmo, que se tornou popular no mundo ocidental especialmente a partir da década de 1950, quando o guru hindu Parahamansa Yogananda (1893-1952) mudou-se para os Estados Unidos, e em particular nos anos 1960, quando a cultura hippie espalhou muitas das teorias da antiga Índia. Também é o caso dos cientistas norte-americanos denominados neognósticos que, desde os anos 1970, vêm elaborando diferentes teorias sobre o universo, especialmente na Universidade de Princeton.
Se considerarmos os experimentos científicos realizado na Universidade de Duke, nos EUA, essa data recua algumas décadas. Foi lá que o pesquisador Joseph Banks Rhine (1895-1980) começou a desenvolver estudos estatísticos sobre vários fenômenos paranormais até então não reconhecidos nos meios acadêmicos. Rhine propôs uma separação definitiva entre o que se conhece como mente humana e o espaço físico onde se localiza o cérebro, entendendo que, nos fenômenos mentais, atua outro tipo de energia, de natureza psíquica, não localizada em pontos determinados de nosso corpo.
Retrato de Isaac Newton (Godfrey Kneller, 1689).
A separação entre a alma e o corpo físico proposta pelas religiões tem sido um dos pivôs do distanciamento entre a ciência e o pensamento espiritual. É comum dizer-se que a ciência moderna – originada no período de Isaac Newton (1642-1726) – preocupa-se unicamente com os fatos que podem ser observados. Até pouco tempo, conceitos como alma, espírito ou mente não tinham lugar nas considerações científicas: se um fato não pudesse ser medido e replicado em laboratório e estudado minuciosamente, não era aceito pela ciência.
No entanto, muitos pesquisadores já vêm essa questão por outro ângulo, entendendo que a divisão entre a postura científica e a religiosa, filosófica ou metafísica, tem acontecido de forma incorreta. O próprio Newton, segundo historiadores modernos, passou mais tempo da vida dedicando-se à alquimia e aos estudos do que hoje se chama parapsicologia do que à pesquisa da óptica e da gravidade.
Para o físico teórico francês Jean-Émile Charon (1920-1998), não é possível separar a física da metafísica. Os antigos sabiam disso e procuravam manter a observação dos fenômenos físicos em estreita relação com os questionamentos da metafísica. A separação entre as duas abordagens só começou a ocorrer de fato no final do século 17. Segundo o mesmo Charon, o que se fez com Newton, na verdade, foi ocultar grande parte de sua obra. A postura que a ciência assumiu logo em seguida foi dogmática, recusando-se terminantemente a considerar o espírito como objeto de pesquisa.
O pensamento oriental começou a se propagar com maior intensidade no Ocidente em meados do século 19, mas foi a febre mística dos anos 1960 que o popularizou e preparou terreno para a unificação do entendimento sobre o universo.
Um dos papas dessa nova forma de pensar foi o físico austríaco Fritjof Capra (1939), com seu livro O Tao da Física (The Tao of Physics: An Exploration of the Parallels Between Modern Physics and Eastern Mysticism, 1975). Nessa obra, Capra afirmou categoricamente que a ciência estava apenas começando a entender algo que os místicos já conheciam há séculos usando seus métodos de busca interior. Na verdade, a abertura da ciência começou a ganhar forma a partir de 1900, quando o físico teórico alemão Max Planck (1858-1947) elaborou a teoria quântica; e cinco anos depois, quando Albert Einstein (1879-1955) desenvolveu a teoria da relatividade, alterando os conceitos básicos sobre a matéria, espaço-tempo e causalidade que até então prevaleciam. A teoria de Einstein demonstrou que matéria e energia são equivalentes, e que a estrutura do espaço e do tempo permite uma ampla gama de especulações. Já o desenvolvimento da mecânica quântica alterou radicalmente o rumo de inúmeras pesquisas, inclusive criando novas possibilidades para a explicação de fenômenos mentais e parapsicológicos.
Imagem: dlsd cgl/ Pixabay.
A observação de alguns aspectos da teoria quântica abriram espaço para que algumas pessoas, cientistas ou não, imaginassem que a mente humana é capaz de interagir com o universo e modificá-lo, atuando por meio de formas energéticas ainda desconhecidas, que podem muito bem ser descritas como alma ou espírito. É uma noção que não está muito distante das antigas explicações esotéricas e religiosas acerca da capacidade da mente influenciar a matéria.
Partindo desse princípio, qualquer ato ou pensamento pode criar variantes no universo – realidades paralelas, nas quais a ação segue um rumo ligeiramente diferente do universo em que estamos vivendo. A física teórica vem considerando seriamente esses conceitos, que não diferem muito do conceito de se criar “formas-pensamento”, como sugere a doutrina teosófica de Helena Blavatsky (1831-1891), na qual a “vontade de realizar” é sinônimo de “realização de fato”, ainda que em outro plano de existência.
Os planos de existência propostos por inúmeras religiões e doutrinas esotéricas aproximam-se muito da noção de universos paralelos, uma especulação surgida da ciência moderna e muito utilizada pela ficção científica. Da mesma forma, a ideia budista de que a mente influencia a matéria pela projeção de seus desejos, assemelha-se à teoria da “opção”, ou livre-arbítrio, que daria origem a essas supostas realidades alternativas: um desejo projetado de determinado modo poderia criar certo curso de acontecimentos; manifestado de forma diferente, pode gerar outros acontecimentos e moldar uma outra realidade.
Imagem: John Collins/ Pixabay.
O físico-químico belga de origem russa, Ilya-Prigogine (1917-2003), Prêmio Nobel de Química em 1977, disse que um exemplo claro da relação entre a religiosidade hindu e a moderna teoria quântica pode ser percebida com a simples análise de uma imagem do deus hindu Vishnu. Ele se encontra deitado, sonhando com o mundo, e é seu sonho que torna o mundo real. Quando Vishnu acordar, o mundo deixará de existir.
Para Prigogine, a oposição entre ciência e religião não tem mais lugar no mundo atual. Ele explica que a ciência nasceu da teologia, no século 17, com a função de colocar o homem mais próximo do conhecimento de Deus. A ideia que até então prevalecia era a de que, para Deus, não há diferença entre passado, presente e futuro – ou seja, todas as coisas existem eternamente. Dessa maneira, para seguir a posição da teologia, os cientistas teriam de eliminar a noção de tempo. “Eu diria”, explicou Prigogine, “que por essa razão o tempo foi excluído da ciência clássica e da ciência básica. Excluído o tempo, a ciência tornou-se essencialmente um tipo de mecanismo”.
Foi esse pensamento, segundo ele, que deu origem ao que alguns chamam de “esquizofrenia ocidental” – a oscilação entre um mundo que funciona como autômato e outro governado pela teologia. “A ciência moderna fica atônita diante da visão moderna de um mundo tão rico, tão variado e diferente daquele autômato que a ciência clássica imaginou. Eu diria que essa visão é uma das forças-motrizes para o surgimento de uma nova utopia, um novo diálogo com a natureza. Mas não gostaria de chamar isso, necessariamente, de religião. Prefiro usar a expressão ‘comunhão com o universo’ – pertencente e integrado a ele”.
Ilya-Prigogine foi um entre vários cientistas modernos para os quais essas “novas” ideias estão se tornando muito mais importantes do que a descoberta de alguma outra partícula elementar. Isso faz com que a ciência passe a transmitir uma mensagem mais universal, incorporando às suas preocupações perguntas feitas por civilizações milenares, como a indiana e a chinesa, ou outras ainda mais antigas. E ainda que não seja possível afirmar sem sombra de dúvida que a ciência irá seguir esse caminho nos próximos anos, as indicações são fortes. Talvez essa seja de fato a maior das mudanças no novo milênio, na Era de Aquário: a busca do conhecimento retomando um caminho que jamais deveria ter sido abandonado.
A Física Neognóstica
A chamada “física neognóstica” começou a desenvolver-se nos Estados Unidos – especialmente em Princeton e em Pasadena – nos anos 1970, reunindo físicos, astrônomos, biólogos, médicos, psicólogos e até mesmo teólogos, em torno de uma forma diferente de encarar a ciência.
Originalmente, a Gnose desenvolveu-se no primeiro século da era cristã, e seus participantes pretendiam obter conhecimento direto de Deus a partir dos fatos científicos aceitos na época. Os novos gnósticos mantiveram a noção de que Deus está associado a tudo que ocorre no universo, tanto nos fenômenos físicos como psíquicos. O objetivo desses acadêmicos é fornecer explicações científicas para o que se costuma chamar de espírito.
Os neognósticos entendem que, dentro de cada ser humano, existem partículas microscópicas que carregam o “espírito dentro do universo”. Essas individualidades seriam o que a antiga Gnose chamava de “eons”, e que os cientistas de Princeton denominaram “holon” – um termo criado pelo autor austro-húngaro Arthur Koestler (1905-1983) em seu livro O Fantasma da Máquina (The Ghost in the Machine, 1967). Jean Charon entendeu que esses corpúsculos são os próprios elétrons, carregados de informação sobre o universo – informação que ultrapassa em muito o atual conhecimento humano. Segundo ele, apenas uma pequena parte do que está contido nos eons, ou elétrons, pode ser expresso através da linguagem humana.
Matéria publicada originalmente na revista Sexto Sentido número 2 (1999).