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AS LINHAS LEY
Autor |
Gilberto Schoereder |
|
24/06/2017 |
Existem, de fato, linhas de força – linhas ley – percorrendo nosso planeta? Alguns acreditam que podemos ter acesso a essa energia da terra, mas o pesquisador Paul Devereux, um dos maiores especialistas mundiais no assunto, tem outras ideias a respeito.
NASA.
As Linhas Ley
Gilberto Schoereder, a partir de texto de Paul Devereux.
Fotos cedidas por Paul Devereux.
As linhas ley já foram um dos principais tópicos de discussão entre grupos da chamada Nova Era. Na verdade, o tema progrediu, incorporando outros semelhantes, até se tornar, segundo alguns pesquisadores, algo totalmente diverso do que era originalmente.
Um dos mais conhecidos estudiosos do assunto é o inglês Paul Devereux, autor dos livros Mysterious Ancient America e Fairy Paths and Spirits Roads – Exploring Otherworldly Routes in the Old and New Worlds. Em português, os únicos livros conhecidos publicados de Devereux foram O Xamanismo e as Linhas Misteriosas (Editorial Estampa, de Portugal), e Arqueologia: O Estudo do Nosso Passado (Melhoramentos, para jovens).
“A primeira coisa que posso assegurar”, ele diz, “é que o que é falado a respeito das linhas ley nos jornais, workshops e grupos da Nova Era hoje em dia é principalmente uma combinação de um mal-entendido, antigas falsificações, o que as pessoas desejariam que fosse realidade e fantasia”.
Costuma-se afirmar que a palavra “ley” veio do saxão, significando “clareira” ou “atalho na floresta”. Devereux e Ian Thompson, em seu livro The Ley Guide, citam o Concise Oxford English Dictionary, explicando que a palavra pode estar conectada à palavra lea (prado ou planície), significando igualmente uma trilha aberta num determinado terreno.
A ideia mais comum é a de que as linhas ley formam verdadeiras redes de caminhos, levando a templos, túmulos, megálitos e morros. Existiria uma espécie de alinhamento entre antigas construções ou locais da natureza considerados com poder de magia. O desenvolvimento dessa noção trouxe mais especulações, geralmente de natureza mística, de modo que alguns pesquisadores levantaram a possibilidade de que as linhas seriam uma espécie de ligação entre o nosso mundo e os mundos invisíveis, mundos que se encontram próximos ao nosso, mas os quais não podemos ver ou acessar, a não ser em momentos especiais.
Já se tentou, inclusive, relacionar as linhas com o fenômeno OVNI, entendendo-se que elas poderiam ser “estradas dimensionais”, abrindo ou facilitando o caminho de outros seres e de suas naves até nossa dimensão. Mais que isso, propôs-se que essas linhas se estenderiam ao espaço, a todo o universo, como uma grande rede de circulação de energia.
Para muitos místicos da atualidade, entre os locais mais conhecidos do planeta em que as linhas se encontram formando pontos com uma energia especial, estão Stonehenge (Inglaterra), Monte Everest (Nepal), Ayers Rock (Austrália), Nazca (Peru), a grande pirâmide de Giza (Egito), Sedona (Arizona, EUA) e Mutiny Bay (Washington, EUA).
Alfred Watkins, fotografando alinhamentos (Foto: Major Tyler/ Northern Earth).
A origem da teoria das linhas ley, segundo explica Paul Devereux, está na obra do inglês Alfred Watkins. Em 1921, ele teve uma súbita percepção – ou, como ele disse, “um jorro de memória ancestral” – enquanto observava um mapa da região de Herefordshire, na Inglaterra. Ele viu que vários locais pré-históricos podiam ser colocados em linha reta, seguindo por quilômetros ao longo do país.
Watkins passou muitos anos estudando esses alinhamentos, em mapas e nas localidades; foi um fotógrafo pioneiro e obteve imagens dos alinhamentos, escreveu livros e deu palestras. Como resultado de seu trabalho – especialmente o que é considerado seu livro mais importante, The Old Straight Track (1925) – foi formado o Straight Track Club, reunindo pessoas de todo o país que observavam os alinhamentos de sítios pré-históricos e possíveis resquícios de trilhas retas ligando-os.
Watkins não foi o primeiro a propor que os antigos locais de culto formassem alinhamentos; pesquisadores alemães, franceses, ingleses e norte-americanos apresentam essa sugestão desde pelo menos o século 18. No entanto, foi Watkins que começou a se referir a esses possíveis alinhamentos com o nome de leys. Sua teoria era a de que elas eram antigas trilhas de comércio elaboradas por agrimensores do período neolítico. As linhas seguem do topo de uma colina a outra, do topo de uma montanha a outra. Com o tempo e o uso, esses caminhos se tornaram mais nítidos. Já em 1929, Watkins descartou o uso da palavra ley, referindo-se aos alinhamentos apenas como “antigos caminhos retos”, ou apenas “trilhas arcaicas”.
Ele entendeu que muitos dos pontos-chave desses caminhos coincidiam com locais sagrados, fossem os montes de terra que serviam como cemitério, fossem pedras erguidas no campo, os megálitos, também conhecidos em alguns locais como menires. Com o tempo, os caminhos deixaram de ser usados, de modo que, hoje, apenas teríamos os locais alinhados para indicar as rotas. Watkins também levantou a teoria de que, na era cristã, alguns dos locais pré-históricos pagãos foram cristianizados, o que explicaria a existência de tantas igrejas nos locais de alinhamento.
A atual visão que se tem das linhas ley começou a se formar após a morte de Watkins, em 1935. No ano seguinte, a ocultista inglesa Dion Fortune escreveu uma novela de ficção chamada The Goat-Foot God (O Deus com Pés de Bode), na qual ela apresenta a noção das “linhas de força” conectando sítios megalíticos como Avebury e Stonehenge.
Os membros do Straight Track Club, em Stonehenge, por volta de 1930.
Em 1938, Arthur Lawton, membro do Straight Track Club, escreveu um artigo no qual afirmava que as linhas ley eram linhas de força cósmica que poderiam ser encontradas com o uso da rabdomancia – a técnica de procurar água ou minerais subterrâneos com o auxílio de uma vara.
Nos anos 1960, as teorias sobre as linhas ley iriam ganhar nova força com o desenvolvimento da Nova Era. Um ex-piloto da R.A.F. (Royal Air Force), Tony Wedd, estava muito interessado em OVNIs. Ele leu o trabalho de Watkins e o livro do francês Aimé Michel, Flying Saucers and the Straight Line Mystery (1958), no qual ele sugeria – falsamente, segundo Devereux – que os locais em que os OVNIs aterrissaram ou flutuaram muito próximos do solo, durante a “onda” de avistamentos franceses de 1954, coincidiam com as “linhas retas”, ou ortotenias, termo que ficou bastante conhecido posteriormente na ufologia. Assim, Wedd chegou à conclusão de que as ortotenias de Michel e as linhas ley de Watkins eram um único e mesmo fenômeno.
Um alinhamento marcado numa fotografia aérea. A linha segue ao curso geral de uma antiga trilha, e passa por uma cruz medieval, uma igreja saxã e montes de sepultamentos pré-históricos.
Em 1961, Wedd publicou um panfleto chamado Skyways and Landmarks, no qual apresenta a teoria de que os ocupantes dos OVNIs voavam ao longo de linhas de força magnética que conectavam sítios antigos, os quais também seriam pontos de referência para os pilotos. “Tudo se baseia”, escreve Devereux, “nas noções e experiências de um piloto de avião, terrestre e desatualizado, e não em criaturas extraterrestres intergalácticas”.
Seja como for, Wedd formou a Star Fellowship, organização com o objetivo de entrar em contato com os “irmãos do espaço”, e contava com a ajuda de uma psíquica chamada Mary Long para encontrar as linhas ley. Mary começou a falar a respeito de “linhas de força” e “nós magnéticos”. Ela também canalizava comunicações de um ser espacial chamado Attalita. Em 1962, foi formado um Ley Hunter’s Club e, em 1965, foram publicados os primeiros exemplares do jornal The Ley Hunter.
Paul Devereux tomou contato com o tema em 1966, durante uma conferência de membros do grupo de Wedd, em Londres. Em 1967, John Michell escreveu seu primeiro livro, The Flying Saucer Vision, no qual fala sobre OVNIs, sítios ancestrais, Alfred Watkins e leys. E, em 1969, Watkins apresentou seu livro The View Over Atlantis, no qual estabelece a conexão entre a teoria das linhas ley, os antigos e sagrados sistemas geométricos e de números e outros assuntos, especialmente o Feng Shui. Ele também especula sobre rabdomancia. Esse livro teve uma profunda influência na nova geração de “caçadores de ley”.
Fotografia de satélite mostrando algumas linhas de Nazca, considerando-se o norte à direita (NASA/ GSFC/ MITI/ ERSDAC/ JAROS/ U.S.-Japan ASTER Science Team).
Os anos 60, 70 e 80 terminaram o serviço, segundo explica Devereux, transformando a teoria original em algo simplesmente fantástico, na verdade, uma fantasia que cresceu de forma desproporcional, sem limites.
Na década de 1970, surgiram duas correntes principais de pensamento a respeito das linhas ley. Uma entendia que se tratava de linhas de energia que podiam ser encontradas por rabdomancia, e especulava sobre possíveis alinhamentos com centenas ou milhares de quilômetros de extensão. Chegava a sustentar a ideia de que a "influência mental" podia ser transmitida através das linhas ley.
"Não havia limite para as fantasias", diz Paul Devereux. "Pessoas que não tinham qualquer ideia a respeito das origens da noção das linhas ley e que, em outras palavras, não se baseavam em qualquer conhecimento real, começaram a escrever livros sobre suas teorias pessoais sobre as linhas ley, e a elaborar workshops incluindo essas teorias".
Um grupo menor estava mais voltado para as pesquisas e começava a estudar e tentar entender a natureza e o significado das linhas verdadeiras, que pessoas reais tinham elaborado num passado remoto. O gatilho para isso foi disparado em 1978, quando o cineasta britânico Tony Morrison veio da Bolívia com notícias de antigas trilhas atravessando o altiplano andino. "Aqueles de nós que representavam a escola baseada na pesquisa das linhas ley", explica Devereux, "imediatamente pensaram nas linhas de Nazca, no Peru, que Erich von Däniken dizia serem sinais para astronautas aterrarem – o que é mais uma noção do século 20 projetada num território antigo. Nós queríamos saber o que essas linhas realmente representavam".
Nos anos 60, quando as linhas ley se tornaram populares, os arqueólogos ortodoxos descartaram a ideia. "Em parte", diz Devereux, "isso aconteceu porque os professores não queriam uma revolução no seu modo de pensar; não queriam qualquer coisa que ameaçasse suas posições acadêmicas. Hoje, eu acho que as pessoas da Nova Era são como os velhos professores: eles resistem ou rejeitam a nova pesquisa que realizamos em todo o mundo. Isso se deve ao fato de muitos deles viverem de seus livros, dando palestras e workshops, e eles se sentem ameaçados. Outros simplesmente não querem que suas fantasias pessoais sejam perturbadas. A Nova Era não é mais nova, vibrante e fresca; tornou-se velha e inflexível".
Uma antiga trilha em um dos alinhamentos de Watkins, que passa pelas ruínas de Llanthony Abbey, nas Black Mountains, País de Gales.
Para Devereux, entender a verdadeira natureza das linhas e marcas em locais antigos do planeta pode, de fato, nos introduzir a toda uma história desconhecida da consciência humana.
O artigo Spirit Ways & Shamanism (O Caminho dos Espíritos e Xamanismo), publicado no jornal alemão Dao, em 1997, indica o caminho de pesquisa ao qual Devereux se refere. Ele fala sobre o Feng-Shui e a forma como essa arte ancestral chinesa via as linhas: segundo o Feng-Shui, as linhas facilitavam a passagem de espíritos.
Devereux explica que a ideia básica de espíritos viajando pelas linhas é encontrada em todo o Pacífico, mas a associação de caminhos retos traçados através da terra com a passagem de espíritos é ainda mais ampla. As evidências arqueológicas da prática ancestral de construir "caminhos de espíritos" sobreviveram melhor nas Américas. Essas evidências podem ser encontradas em vários pontos dos Estados Unidos, entre os índios Hopewell, Miwok e, com destaque, no culto do chamado "povo perdido", os Anasazi, do Novo México. No México, também existem vários sítios arqueológicos com sistemas de estradas retas; às vezes, existem altares nesses caminhos e, frequentemente, eles parecem levar a locais estranhos. Mais ao sul, os antigos maias também construíram estradas retas que chamavam de sacbeob, "caminhos brancos".
Reconhecimentos por satélite realizados pela NASA encontraram caminhos na Costa Rica. Posteriormente, eles foram definidos como sendo "estradas da morte", ainda utilizadas para carregar corpos para enterros e transportar material usado na construção de tumbas e muros de cemitérios. Na América do Sul, caminhos também foram encontrados entre os índios kogi, da Serra Nevada de Santa Marta, na Colômbia. O mesmo ocorre no Peru, com as linhas mais conhecidas sendo as de Nazca e as do deserto de Atacama, no Chile.
"Essas linhas retas", diz Devereux, "caminhos e estradas são elementos daquilo que eu chamo de 'cenário xamânico'. Outros elementos incluem efígies terrestres como os desenhos no chão (geóglifos) e as imagens elaboradas em colinas". Esse conceito foi levantado inicialmente em 1977, pela antropóloga Marlene Dobkin de Rios, e depois desenvolvido pelo próprio Paul Devereux e outros pesquisadores. Dobkin percebeu que essas imensas marcas no terreno ocorrem em áreas onde viveram tribos xamânicas, e estudos mais detalhados confirmaram que essa situação é verdadeira para todos os casos.
Hoje em dia, todas essas áreas podem ser relacionadas com povos que usaram ou ainda usam drogas alucinógenas nativas em rituais xamânicos, os quais promovem a sensação de que a pessoa, ou seu espírito, está voando, nas chamadas experiências fora do corpo.
Para Dobkin, o mistério das linhas está associado a essa experiência aérea, o centro extático da experiência xamânica. Mais que isso, ela suspeita que as linhas retas são derivadas de padrões entópticos (fenômenos visuais que se observam no interior do olho e que não são provocados pela luz) que ocorrem no córtex humano em estados de transe. Essas imagens entópticas são comuns à raça humana em todos os períodos de tempo.
Resumindo, as linhas – sejam marcas no deserto ou estradas rituais – seriam uma expressão formalizada do transe xamânico. "Coincidentemente", diz Devereux, "enquanto esse mistério estava sendo desvelado, arqueólogos estavam descobrindo imagens entópticas na arte rupestre pré-histórica, muitas das quais se sabe, hoje, serem de natureza xamânica. As linhas elaboradas na paisagem são apenas uma versão maior dos mesmos padrões, derivando da mesma fonte xamânica".
Claro que os chamados povos nativos não pensam da mesma maneira, considerando o contato com o mundo espiritual ou outras dimensões como uma realidade. Mas, sem dúvida, os conceitos apresentados por Devereux devem ser levados em conta, especialmente por estarem relacionados a fenômenos e eventos que se verificam em todos os povos do planeta, em todas as épocas.
Para Saber Mais:
www.pauldevereux.co.uk