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MONSTROS

OS GIGANTES

Autor Gilberto Schoereder
01/10/2021

Dos mitos primitivos sobre a criação do mundo às teorias mais recentes de intervenção extraterrestre em nosso passado, os gigantes são uma presença constante.


A Queda dos Titãs (Cornelis van Haarlem, 1588-1590).

Os gigantes surgem em diversas culturas, geralmente com papéis importantes, quando não fundamentais, na formação e desenvolvimento das sociedades.
A mitologia grega é um bom exemplo. É repleta de histórias sobre esses seres, começando pelos Titãs, os deuses que antecederam os deuses olímpicos e, derrotados por eles, foram condenados a uma existência no Tártaro. E ainda os Gigantes (no original grego), que igualmente enfrentaram os deuses olímpicos e foram derrotados.
E, como tantas outras criaturas lendárias, os gigantes também podem ser malévolos ou benéficos, dependendo de suas personalidades e da situação em que surgem nas histórias. Assim, muitas vezes são considerados monstros apenas no que diz respeito a terem uma aparência que não está de acordo com a aparência geral da humanidade.
Carol Rose lembra que a característica em comum entre os gigantes é seu tamanho imenso, “(...) mas Gigantes têm suas características diferentes de acordo com a cultura, a região e o propósito de sua existência; no entanto, eles existem no repertório narrativo de virtualmente toda cultura do mundo”.
Os relatos sobre a existência dos gigantes também fazem parte do Hinduísmo, que alega terem existido seres humanos gigantes durante a época conhecida como Satya Yuga, o primeiro ciclo da cosmologia hindu, que durou 1.728.000 anos. Na Bíblia também surgem referências a uma época em que gigantes habitavam a Terra. E as histórias repetem-se em diversas culturas e religiões.
Os Titãs surgem na mitologia grega como os deuses que antecederam os deuses olimpianos, filhos de Urano, o Céu, e Gaia, a Terra. Eram 12, seis homens e seis mulheres, e um deles, Cronos, rebelou-se contra Urano e governou o universo com os demais Titãs. No entanto, os Titãs tiveram seus filhos e um deles, Zeus, filho de Cronos, rebelou-se contra o pai, iniciando uma guerra que durou dez anos, conhecida na mitologia como Titanomaquia. Os Titãs foram derrotados e Zeus governou como o deus supremo, iniciando a fase dos deuses do Olimpo, banindo a maioria dos Titãs para o Tártaro, a prisão de tormentos e sofrimentos, algo semelhante ao Inferno cristão.

                                                                       Pintura em vaso grego mostrando Posseidon enfrentando um Gigante (c. 475-470 a.C.).

Por sua vez, os deuses do Olimpo também enfrentariam os Gigantes – e este é o nome original em grego. Segundo Carol Rose, os Gigantes também eram filhos de Urano e Gaia, descritos como criaturas monstruosas, parte humanos, parte serpentes, nascidos do sangue de Urano no momento em que Cronos o enfrentou e castrou. Assim, os Gigantes enfrentaram os deuses olimpianos para tentar vingar-se pela derrota de seus irmãos Titãs, no evento descrito na mitologia grega como Gigantomaquia. Os Gigantes foram igualmente derrotados e condenados a viver no Tártaro.
Urano e Gaia ainda tiveram outros filhos gigantescos e grotescos: os Ciclopes e os Hecatônquiros, ou Centimanos. Estes últimos, menos populares que os Ciclopes, também são chamados de Gigantes de Cem Mãos, imensos e com 50 cabeças e 100 braços e mãos. Segundo Carol Rose, originalmente eles eram três: Briareu, Coto e Giges. Horrorizado com sua aparência, Crono aprisionou os três no Tártaro; foram libertados por Cronos para lutar contra Urano, mas Cronos voltou a colocá-los no Tártaro. Zeus libertou-os mais uma vez para ajudar na luta contra os Titãs. Após a vitória sobre os Titãs, eles ficaram responsáveis por mantê-los presos no Tártaro.

A Forja dos Ciclopes (Cornelis Cort, 1572).
       Polifemo (Guido Reni, 1639-1640).

Os Ciclopes são mais populares, gigantes com um só olho e tidos como muito rudes e agressivos, inclusive comendo carne humana. As histórias sobre eles variam; na Teogonia (c. 700 a.C.), de Hesíodo (século 8-7), uma genealogia dos deuses, diz-se que os ciclopes eram três: Brontes, Arges e Steropes. Foram eles que forjaram o raio para Zeus, e também participaram na luta dos deuses do Olimpo contra os Titãs. Como prêmio, ganharam forjas sob o Monte Etna, onde trabalharam nas armas para os deuses.
Outra versão foi apresentada por Homero (c. 750 a.C.) na Odisseia (c. 700 a.C.), e nela os Ciclopes vivem entre os humanos e não entre os deuses. Sem leis e vivendo em cavernas, eles geraram uma nova geração de Ciclopes com mulheres humanas, entre eles Acamas, Pyracmon e Polifemo, o ciclope que é enfrentado por Ulisses, que consegue cegá-lo. Outra versão apresenta Polifemo como o filho de Posseidon e da ninfa Teosa.
As lendas também afirmam que os Ciclopes foram os responsáveis pelas construções utilizando pedras imensas nas cidades de Micenas, Argos e Tirinto, no Peloponeso, e que estão entre as mais antigas da Europa.

Davi Mata Golias (Gustave Doré, 1866).

A Bíblia também traz referências a gigantes, os nefilim, ainda que alguns especialistas entendam que a tradução da palavra nephilim foi feita de forma errada. O termo surge no Gênesis (6:1-4), na passagem que fala sobre a corrupção da humanidade, antes do Dilúvio. A passagem mais clara sobre os seres diz: “Naquele tempo viviam gigantes na terra, como também daí por diante, quando os filhos de Deus se uniam às filhas dos homens e elas geravam filhos”.
Também em Números (13: 32-33), quando Moisés envia homens para explorar a terra de Canaã, e eles reportam terem visto homens de grande estatura: “(...) vimos até mesmo gigantes, filhos de Enac, da raça dos gigantes: parecíamos gafanhotos comparados com eles”. Em algumas traduções, o nome é Anak, e sua descendência é chamada Anakim, habitando a parte sul da terra de Canaã. Posteriormente, foram derrotados e expulsos por Josué, mas alguns permaneceram nas cidades filisteias, como Golias. No Segundo Livro de Samuel (2 Samuel 21: 15-22), algumas traduções apontam Golias e outros três gigantes mortos como sendo da raça dos refains. Em algumas traduções, não é David quem mata Golias, mas Elcanã.
A Bíblia também faz referência a Gog e Magog, às vezes apresentando Gog como um indivíduo originário da cidade de Magog, outras vezes como um povo e, em traduções posteriores, também apresentando Magog como um indivíduo ou como um povo. Carol Rose listou Gog como um gigante, ainda que não existam referências diretas a isso na Bíblia. Seja como for, os nomes certamente estão na origem do folclore britânico sobre Gog e Magog, às vezes apresentado como um único gigante chamado Gogmagog.

                                                                               Combate entre as tropas de Bruto e os gigantes de Albion (c. 1.400-1.425).

Em Historia Regum Britanniae (1.136; História dos Reis da Bretanha), de Geoffrey of Monmouth – um relato tido como pseudo-histórico – colonizadores troianos liderados por Bruto de Troia, descendente de Enéias, não apenas fundaram o reino, mas enfrentaram o gigante Gogmagog e outros vinte gigantes. Carol Rose diz que Gog e Magog, entre outros gigantes, eram a prole das filhas perversas do imperador romano Diocleciano (245-313), que governou também a Bretanha, então província romana.
Carol Rose diz que a existência dos Gigantes após o Dilúvio nas narrativas da Bíblia representou um problema sério para o discurso religioso dos primeiros períodos do Cristianismo, uma vez que o desaparecimento deles não se deveu simplesmente ao Dilúvio; eles estavam habitando a Terra Prometida muito depois disso, e foram encontrados pelos espiões enviados por Moisés. Segundo Rose, existe uma tradição na literatura rabínica segundo a qual o gigante Og de Bashan sobreviveu ao dilúvio quando lhe foi permitido ficar sentado no telhado da Arca de Noé, e que ele teria sido o último da raça dos gigantes.

Ymir sendo morto por Odin, Vili e Ve (Lorenz Frolich).

Da mitologia nórdica surge o gigante primordial Ymir, ancestral dos gigantes Jotun. Como na mitologia grega, Ymir originou não apenas os gigantes, mas foi o ancestral dos deuses, como Odin, que eventualmente se rebelaram contra ele e o mataram, colocando seu corpo no abismo chamado Ginnungagap, o vazio primordial. Os deuses também enfrentaram os demais gigantes. No vazio, o corpo de Ymir sangrou e deu origem aos rios e mares, ocasionando um grande dilúvio no qual todos os gigantes afogaram-se, com exceção de Bergelmir, um gigante do gelo, e sua esposa. Ambos deram origem a uma nova geração de gigantes do gelo, que sempre buscam vingança contra os deuses pela morte de seus ancestrais.

O Gigante Skyrmir e Tor (Louis Huard, ilustração do livro The Heroes of Asgard: Tales from Scandinavian Mythology, 1891).

Os Jotun, portanto, são descendentes de Bergelmir, e dividem-se em Gigantes do Ar, Gigantes do Gelo, Gigantes das Montanhas e Gigantes da Água, e mantêm uma relação ambivalente com os deuses e humanos, às vezes sendo agressivos, outras vezes, benévolos. Esses gigantes habitam o local chamado de Jötunheimr, separado de Asgard, a terra dos deuses, pelo rio Ífingr. Segundo algumas versões da mitologia, de sua terra os gigantes ameaçam tanto Asgard quanto Midgard, a terra dos humanos, e no Ragnarök – a série de eventos que põem fim ao mundo e que iniciam uma nova fase do mundo – os gigantes devem enfrentar os deuses.

Uma versão de um troll, o Troll Floresta (Theodor Kittelsen, c. 1906).

Também do folclore escandinavo e da mitologia nórdica surgem os trolls, às vezes apresentados como gigantes jotun, outras vezes como anões, dependendo da região e da época. Originalmente, eram descritos como criaturas gigantescas, cobertas de pelos e de natureza maligna. Carol Rose diz que, na Noruega, os trolls têm essa descrição, mas suas esposas são tidas como muito bonitas e com longos cabelos ruivos. Viviam em comunidades abaixo das colinas, em túmulos ancestrais, ainda que suas casas fossem descritas como palácios maravilhosos repletos de tesouros. E, como odeiam barulho, foram viver em locais longe dos sinos das igrejas. Têm o costume de roubar mulheres, crianças e objetos dos humanos, e em algumas versões das histórias, são canibais.

A mitologia dos toltecas e dos astecas também fala da existência de gigantes no planeta. Existem os gigantes primordiais e os que surgiram de lendas posteriores, em particular a raça chamada Quinametzin, que habitou o mundo após o dilúvio.
A primeira geração de gigantes da mitologia asteca surgiu dos deuses Tezcatlipoca e Quetzalcoatl, e chamavam-se Quinamiltli. A segunda geração de gigantes chamou-se Hueytlacome, mas ocorreu uma guerra devido a escassez de recursos, e os deuses decidiram destruir a Terra. A terceira geração é a dos Quinametzin, que se diz terem construído a pirâmide de Cholula e a cidade de Teotihuacán. Houve ainda uma quarta geração de gigantes, chamados Huehueytin, que eram apenas quatro, trazidos pelos deuses após a última destruição do planeta. Após essas gerações, diferentes tradições citam dezenas de gigantes, muitos deles fundadores de cidades astecas.
O pesquisador Erich von Däniken, em seu livro De Volta às Estrelas (Zurück zu den sternen, 1969), diz que as mitologias maia e asteca falam sobre gigantes, e ele cita os nomes de Atlan e Theitani, que associa a Atlas e Titãs. No entanto, é difícil encontrar essas referências nas mitologias oficiais das duas civilizações. Essa suposição liga-se à teoria de que a civilização maia seria descendente da Atlântida, ou mesmo que a Atlântida estivesse localizada no que hoje é o Mar do Caribe, na América Central.

A Pirâmide do Sol, em Teotihuacán, supostamente construída pelos gigantes quinametzin (Foto: Gorgo/ Wikimedia, 2006).

Essa linha alternativa de pesquisa, que propõe um passado da raça humana bem diferente do que é apresentado pela história oficial, entende que uma ou várias raças de gigantes realmente poderiam ter existido no planeta, em um passado distante. Uma dessas visões, totalmente desacreditada pela ciência, é a do engenheiro austríaco Hans Hörbiger (1860-1931), conhecida como Cosmogonia Glacial que, posteriormente, foi adotada por membros do partido nazista alemão. Segundo Hörbiger, os gigantes eram originários do que ele chamou de período secundário. Resumindo, ele entendia que a Lua não tinha sido o primeiro satélite da Terra, com diferentes satélites circundando o planeta em diferentes períodos geológicos.
Os gigantes viriam de 15 milhões de anos atrás e continuaram a existir até o surgimento dos primeiros humanos, que foram por eles civilizados. Desse encontro no passado remoto teriam surgido as mitologias a respeito de gigantes que traziam conhecimento aos humanos.
O pesquisador francês Denis Saurat (1890-1958) foi um dos que abordaram a existência dos gigantes na Terra, em particular em seus livros A Atlântida e o Reino dos Gigantes (L’Atlantide et le Règne des Géants, 1954. Editora Artenova) e A Religião dos Gigantes e a Civilização dos Insetos (La Religion des Géants et la Civilisation des Insectes, 1955. Editora Artenova). Para ele, foram os gigantes que ajudaram os humanos a levantar as construções imensas do planeta, em particular as de Tiahuanaco, que Saurat acreditava que já existia 300 mil anos atrás.
As teorias se multiplicam; com o jornalista francês Louis Charpentier (1905-1979), autor de Os Gigantes e o Mistério das Origens (Les Géants et le Mystère des Origines, 1969. Editora Difel); com o escritor francês Robert Charroux (1909-1978), autor de História Desconhecida dos Homens (Histoire Inconnue des Hommes Depuis 100.000 Ans, 1963. Editora Difel/ Círculo do Livro); com o escritor francês Serge Hutin (1927-1997), autor de Homens e Civilizações Fantásticas (Hommes et Civilisations Fantastiques, 1971. Hemus Editora); com o já citado escritor suíço Erich von Däniken, e tantos outros autores que não apenas levantaram a hipótese de civilizações muito mais desenvolvidas no passado distante, mas igualmente a popular teoria dos “antigos astronautas”, imaginando que raças alienígenas visitaram nosso planeta em tempos ancestrais e exerceram uma influência definitiva no desenvolvimento de inúmeras civilizações. Algumas das propostas até mesmo apresentam a ideia de que algumas das raças extraterrestres que nos visitaram no passado eram raças de gigantes, e que são eles a origem de todos os mitos e lendas sobre gigantes do planeta.

 

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