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Em Busca do Sagrado

Autor Wanise Martinez
Publicado porGilberto Schoereder
14/09/2013

Uma entrevista com o rabino Nilton Bonder, a respeito de seu livro "O Sagrado", que fala sobre aquela que deve ou deveria ser a procura dos seres humanos – a busca pelo sagrado. Por Wanise Martinez


EM BUSCA DO SAGRADO

O livro O Sagrado, do rabino Nilton Bonder, fala sobre aquela que deve ou deveria ser a procura dos seres humanos, a busca pelo sagrado, que só será atingida quando aceitarmos romper com certos privilégios e com a tirania do ego humano.

Por Wanise Martinez.

(Foto: Scott Catron).

Líder espiritual da Congregação Judaica do Brasil e autor de uma série de livros que abordam temas diversificados sob a ótica judaica, o conhecido rabino Nilton Bonder tem conquistado cada vez mais espaço no mundo editorial. E, diga-se de passagem, que mundo; afinal, suas obras já foram publicadas nos Estados Unidos, Itália, Holanda, Espanha, Alemanha, Coreia do Sul e na República Tcheca. Ele foi também o ganhador do Prêmio Jabuti 2000, na categoria religião, com o livro Exercícios d'alma.
Nascido em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Nilton é graduado em Engenharia Mecânica pela Universidade de Columbia e doutor em Literatura Hebraica pelo Jewish Theological Seminary.
Aqui ele fala sobre sua obra O Sagrado (Ed. Rocco), na qual mostra que o sagrado é o antídoto para o consumismo desenfreado e o individualismo que tomaram conta das sociedades mundiais.

 

Por que você decidiu escrever sobre o “sagrado”? Qual é o principal objetivo desse livro?
Em 2007 fui convidado pela Universidade de Harvard para fazer parte de um grupo que empreenderia o Caminho de Abraão – a travessia pioneira de um caminho pelo Oriente Médio, no estilo do Caminho de Compostela. Para a viagem, recebi um DVD de O Segredo. Entre aeroportos e desertos, vi o filme e fiquei preocupado com esse material. Ele misturava aspectos bastante refinados e grosseiros num mesmo pacote, o que, em geral, abre caminho para muita confusão.

O que é “o sagrado”?
Sagrado é tudo aquilo que nos faz perceber como parte de uma grande árvore, uma Árvore da Vida. Reconhecer-nos como parte e não a parte de Deus e do Universo é algo fundamental para nos redimir do isolamento e da tristeza que é ser um indivíduo, destacado, dono de sua própria biografia. Sagrado é, portanto, tudo que nos tira do plano pessoal e nos aufere uma pertinência maior do que a nós mesmos.

Como é possível chegar até ele, alcançá-lo? Qualquer pessoa consegue?
Sim, qualquer um pode. Chegamos ao sagrado, como disse, fazendo-nos parte de algo. Chegamos ao sagrado pela ancestralidade, por exemplo. Estabelecer uma conexão com os antepassados é sentir-nos parte de algo que vai além do pessoal, e experimentamos a maravilha que existe em nossas raízes. Chegamos ao sagrado através de rituais que nos fazem parte de uma tribo e que nos devolvem o gosto da partilha comunitária, do prazer de sermos membros de um coletivo. Chegamos ao sagrado pela paz de cessarmos nossas demandas e anseios e conhecermos o bendito silêncio de nossa cobiça. Chegamos ao sagrado ao rompermos com a tirania de nosso ego e ao acomodarmos o outro. Muitas são as formas de chegar ao sagrado e, sim, todos têm essa capacidade. Mas para tal terão que se desapegar de seus segredos e pretensos privilégios.

Quais são as diferenças e semelhanças entre “o segredo” e “o sagrado”?
O sagrado é a tentativa de religar o ser humano a algo maior do que a si próprio e que o permita resgatar-se como parte do projeto da vida, da Árvore da Vida. O “segredo”, por sua vez, quer capacitar o ser humano como um deus, alguém que, em comando, determina a realidade através de seu desejo. Faz, assim, uma inversão, na qual é o desejo que determina a realidade. Como um populismo intelectual, usa a mesma técnica daquilo que denominamos um produto: gerar algo que as pessoas queiram. Serve de consumo, mas não propicia sabedoria e lucidez, muito pelo contrário. É como consumir pizza e bolo acreditando ser uma alimentação balanceada. Tem seu uso, mas totalmente ao largo da questão da alimentação e do sustento.

No livro, você diz que, nos últimos tempos, as pessoas têm andado em busca do “segredo”. Por que você acha que isso está acontecendo? O que tem levado as pessoas a procurar essas “fórmulas prontas”?
As pessoas vivem num mundo de anonimato que facilmente despreza suas raízes pelos valores da liberdade e do individualismo. E assim elas se descobrem pequenas, insignificantes diante de um tempo que passa cada vez mais rápido e as torna não apenas mortais, mas superfinitas. Daí o desejo de nos vermos de forma mais valorosa. Mas o caminho não passa por nossas crenças de que somos especiais e que tudo converge e conspira a nosso favor. Pensar que somos o centro do universo só nos fez intolerantes e ignorantes, no passado. A Terra não está no centro do universo, nem o Sol, nem seu sistema, nem sua galáxia. Mas essa não é uma condenação à insignificância. O universo não conspira, até porque só o ser humano conhece essa palavra dissimulada, repleta de segundas intenções. Nossos desejos não impõem obrigações ao universo, muito pelo contrário; nossos desejos é que são criações do universo para que possamos servir a seus propósitos. Não são os nossos direitos e pleitos que nos oferecem as maravilhas da vida, mas as bênçãos disponíveis para quem não nega ou se nega a servir esse projeto maior.

O que você acha que impede o ser humano de lidar com suas próprias limitações durante a vida? O sagrado pode ser uma resposta para isso?
O sagrado é justamente quando ultrapassamos a barreira da incredulidade, que diz que não somos especiais e, então, conhecemos a humildade, que desconstrói essa percepção e nos ensina que “não somos especiais”. Ao fazermos isso, nós nos tornamos “especiais”. Essa humildade – que não é uma manifestação simplória ou banal, mas o encontro de nosso verdadeiro lugar no universo –, nos dá a plenitude que chamamos de paz. O custo de se sentir “especial” sem que isto advenha de uma conquista pela humildade, é a impossibilidade da paz e uma insatisfação que não será preenchida nunca. O universo pode se tornar o mais colossal dos supermercados, oferecendo o mais inimaginável sortimento de “bens” de consumo, mas tudo passará ao largo das bênçãos, que são reais e disponíveis pelo caminho do sagrado.

O que é a “tirania do ego” e de que maneira ela pode ser evitada?
A tirania do ego está em querer nos representar na pessoa e na biografia que somos. Se cada um de nós deixar de ser tudo o que é, perder seus títulos, suas identidades e até mesmo seu corpo, ainda será algo. É este algo que somos para além de nós, que não pode ser representado por um ego. O ego se entende uma totalidade quando somos parte.

Como podemos ser um meio, e não um fim?
A vida não deságua em nós; ao contrário, ela perpassa a nossa existência e o nosso corpo. Somos úteis a um projeto que é maior e distinto de nossa agenda pessoal. Como o biologista-filósofo Bertalanfy diz: “A galinha é apenas um meio para se chegar de um ovo a outro ovo”. Ficamos na ilusão de que o projeto se inicia e se encerra na galinha, mas esta é apenas um veículo para a vida e seus sentidos maiores acontecerem. Se a sabedoria não nos levar a reconhecer isso, tudo o que encontraremos é o desespero e o cinismo de uma vida que nos parecerá injusta, às vezes, perversa.

Por que, em seu livro, você afirma que o homem ocidental optou pelo individualismo? E até que ponto isso nos afasta do sagrado?
A ideia de liberdade está colada na questão da responsabilidade. No entanto, criamos uma sociedade que percebe esses dois valores como independentes. Posso ser por mim e isso me basta para ser feliz e cumprir com minha vida. O sábio Hilel dizia: “Ser por si é importante, mas apenas um aspecto da consciência. Mas se sou apenas por mim, então quem sou eu?” Ele sabia que a liberdade descolada da responsabilidade, da conexão com o outro, asfixia o significado e o sentido. Ou seja, nossa cultura, hoje, promove a ilusão de que somos entidades isoladas. Assim, favorece os segredos e não os sagrados.

Por que a face do sagrado não se manifesta?
Ela se manifesta, sim. Outra coisa é não querer vê-la, olhá-la na face. Mas nenhum de nós a ignora para sempre. Pode fazê-lo por algum tempo, mas ela se manifestará, nem que seja unicamente na morte.

 

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